Zero se tornou Um

"Acorde, Zero!"

Da janela do meu apartamento, consigo ver mil outras janelas de outros prédios, exatamente como a minha. Mas não consigo ver daqui o sol.

O trânsito hoje está parado, logo pela manhã. Algum operário deve ter perecido na contramão; seu corpo agora é um obstáculo inútil, atrapalhando o tráfego.

O retrato na escrivaninha é uma relíquia de um passado esquecido: meus pais e eu, uma criança sorridente. A saudade rasga meu peito, um lembrete cruel da família e dos amigos de infância que se desvaneceram.

Meu celular vibra: "Iniciando... nenhuma mensagem de trezentos e cinquenta e dois amigos."

O armário, caindo aos pedaços, guarda memórias sufocadas pela poeira. Os livros são monumentos de uma era esquecida: Orwell, Lewis Carroll e Nietzsche. Testemunhas silenciosas de um espírito que já não vive.

Levanto-me, exaurido. Cada movimento é um fardo.
No banheiro, cumpro a rotina mínima.
Vivo a muito tempo nessa rotina monotona.

De certa forma eu acabei me acostumando

No metrô, sou apenas mais um fantasma a caminho do purgatório.
O olhar do meu chefe é uma lâmina afiada: "Você chegou atrasado hoje, Zero. Na próxima, é rua!"

Meu colega sussurra: "Acho que mês que vem consigo sair desse buraco."

Meu cubículo azul, sinto que passo a maior parte do meu dia aqui. O tempo se arrasta. "Espero que você vire a noite para cobrir esses atrasos."

Acordo no pesadelo de sempre, transformado em um inseto gigante. O quarto é uma prisão, meu corpo uma carcaça inútil. Aos olhos dos outros, sou um monstro, um ser desprezível. Morro, finalmente, de solidão e desespero.

As pessoas me chamam de louco, mas sei que somos apenas marionetes de um conto cruel. Mais um dia no trabalho: "Atrasado novamente? Você já foi melhor."

Mensagem automática: "Parabéns, Zero. Você completou uma década na companhia." Penso comigo: "Dez anos? Eu era jovem, a vida prometia tanto." Correndo atrás de um sol inatingível, cada dia mais cansado, preso em um ciclo eterno de destruição e vazio, num labirinto sem saída.

Estou fora. Nunca mais voltarei.

Eu preciso escapar da realidade, cair diretamente na toca do coelho. Sinto uma necessidade desesperada de me expressar, de me conectar. As artes são a última esperança de redenção. Na fusão de todas elas, encontro a arte final dos contos.

Vou escrever um conto, um grito de desespero para este blog. Contarei minha história, minha miséria. Será chamado "Zero se tornou Um".

Finalmente, Zero se tornou Um.