Entre a Baía e o Céu, Encontrei Você

Viajar é um ato de descobrir o desconhecido. A gente sai de casa esperando que o mundo nos surpreenda — com lugares, paisagens, sabores... mas, principalmente, com pessoas. Às vezes, a melhor parte de uma viagem não está no destino, mas no que — ou em quem — você encontra pelo caminho.

Me apaixonei por Salvador — a primeira capital do Brasil — e por sua cultura tão única, intensa e encantadoramente própria. Mas eu queria mais: alguém com a mesma vibração que eu, com os olhos curiosos e o espírito livre, pronto para se lançar em aventuras sem hesitar.

Comentei com uma amiga: queria uma parceira de descobertas, alguém de alma aberta, disposta a viver a vida com intensidade. E então, encontrei ela. Mal me conhecia e, ao saber que eu era novo na cidade, logo se prontificou: “Posso ser sua guia.” Um sorriso nasceu no meu rosto ali mesmo.

Mesmo sem conhecê-la direito, pensei: quero fazer algo inédito, especial — um lugar mágico, romântico, com vista para o mar, para a Baía de Todos-os-Santos, à noite, do alto de um prédio. Quase onírico.

Ela topou. Quando a encontrei, vi uma mulher deslumbrante: beleza estonteante, alta, esguia, com um ar de modelo da Victoria’s Secret, e ainda trazia uma sacola com uma garrafa de vinho. Fiquei encantado com o gesto — veio preparada, querendo que a noite fosse ainda mais memorável.

Lábios carnudos, olhos imensos e expressivos, rosto pequeno e delicado. Começamos a conversar, e ela confidenciou estar preocupada por ser domingo à noite — na manhã seguinte, o trabalho já a aguardava.

Chegamos ao local. Subimos de elevador, e apesar da vista magnífica, os melhores lugares já estavam tomados. O ambiente era todo aberto, o céu respirava sobre nós. E ali, começamos a conversar. E como a conversa fluiu... duas almas abertas, disponíveis, se encontrando. Muitos sorrisos, um calor natural entre as palavras.

Contei que vivia o momento mais feliz da minha vida, viajando pelo Brasil, absorvendo culturas, conhecendo pessoas. Ela se iluminou com isso — uma mulher firme, consciente de si, dona de suas vontades. Pedimos apenas uma entrada — a conversa era tão boa que o prato principal se tornou desnecessário.

E então, o imprevisto: a chuva. Mas, por acaso ou sorte, estávamos no único ponto coberto. Todos os outros se dispersaram. Ficamos só nós dois, na parte mais alta, com a vista mais bonita, como se a cidade nos tivesse presenteado com uma noite só nossa.

Falamos de tudo: vida, sonhos, trabalho, viagens, cultura, Salvador. Éramos, já ali, amigos profundos. Me ofereci para tirar fotos dela com aquele cenário de fundo. Queria tornar aquele momento inesquecível pra ela também.

Voltamos à vista. Nos beijamos. E depois daquele beijo, a conexão se firmou. O toque dela era leve, mas firme. O jeito como me olhava depois — sem pressa, sem defesa — me fez sentir que eu estava exatamente onde deveria estar.

Descemos para outro andar, mais reservado. Pedimos um drink. Ela, cheia de entusiasmo, começou a filmar tudo — nosso primeiro vídeo juntos. Viramos a bebida. Ela terminou antes de mim. Fiquei surpreso. Lembrei das noites com meus amigos, quando eu sempre era o mais rápido. E ali, ela me superava. Uma mulher admirável.

Reclamou da fraqueza do drink e, com audácia, foi ao bar pedir doses puras. Uma atitude que poderia muito bem ter sido minha. Ali, enxerguei minha alma gêmea.

A noite já era perfeita — e parecia que terminaria ali. Mas não. Decidimos: que fosse eterna. Saímos pelas ruas do Pelourinho, correndo de mãos dadas, buscando alguma festa, alguma batida no ar. Aquele bairro histórico, secular, vivo.

Meus amigos sempre diziam: “Cuidado com o Pelourinho à noite.” E lá estava eu, correndo, rindo com ela, como se fôssemos crianças. Perguntamos a alguns policiais: “Tem alguma festa por aqui?” — “Acho que já acabou tudo”, responderam. Rimos. Continuamos. Entramos em casarões coloridos, antigos, cobertos pela natureza, palcos de muitas histórias.

Seguimos para outro reduto clássico: Rio Vermelho. Música, bares, vida pulsando. Um DJ tocava, o povo dançava. Um espaço alternativo, paredes cobertas por murais e arte.

Ela sugeriu drinks, tirou o salto e me avisou: “Se segura.” Queria dançar, soltar o corpo, se aquecer — ser livre. Dançou sem medo, sem máscaras. Era fascinante vê-la. Aquela alegria simples, crua, vibrante. A maneira como preparava os momentos, como se a noite fosse uma obra de arte que ela mesma pintava.

Dançamos, brindamos. E então, ela foi até o DJ e pediu pra ele mandar um abraço pra minha cidade natal, dizendo que eu estava sendo bem-vindo em Salvador, meu novo lar. Fiquei sem palavras.

Que mulher era aquela? Atitude, leveza, coragem. Vivemos mil noites em uma. Saímos amigos, amantes. Uma das noites mais incríveis da minha vida. O ponto alto da viagem. Tudo que eu sonhava — e mais.

A vida já valeu a pena só por ter conhecido essa mulher. Que força, que energia baiana. Que mulher era essa? Como pode?

Código

 Esse texto foi escrito de uma só vez, sem revisões ou modificações.

Nada existe, absolutamente nada, como um quadro em branco. É a partir dele que eu me expresso, usando uma linguagem específica: o código. Essa é a forma como me comunico com o computador. O código que escrevo é bem estruturado, funcional, mas vai além do simples fato de compilar sem erros. Ele é também uma extensão do meu pensamento, uma expressão da minha lógica, da minha criatividade e do meu estado mental naquele momento.

Quando escrevo código, estou resolvendo problemas por meio de símbolos, instruções e estruturas. Estou construindo funções que atingem objetivos, que processam dados, que tomam decisões. É assim que dou forma ao raciocínio.

Através do código, posso criar ferramentas que controlam partes do mundo: sistemas bancários, aplicativos, veículos, satélites, redes sociais, foguetes. Cada linha escrita pode alcançar bilhões de pessoas, influenciando comportamentos, rotinas e até aspectos culturais — de forma direta ou sutil, visível ou invisível.

Essa é a minha forma de expressão. O código é, para mim, a manifestação mais pura da consciência. Cada nome de variável, classe ou função precisa ser pensado com cuidado, pois carrega um significado. Estou tentando traduzir um mundo complexo, analógico e caótico em estruturas digitais simples, elegantes e compreensíveis — tanto para a máquina quanto para o ser humano.

Não existem regras fixas. O código reflete meu senso estético, minha bagagem cultural, minhas experiências e crenças. Outros programadores vão ler esse código, entender o que pensei, como pensei, e talvez até sentir o que senti. Dessa forma, crio meu próprio universo — uma forma definitiva de arte e expressão.

Finalmente, a praia!

Transcrição do áudio que gravei quando cheguei à praia de São Luis.

Finalmente, a praia! Nossa Senhora, lua cheia! Só consigo ouvir o mar, só consigo ouvir o som das ondas, da brisa, o vento batendo de ladinho no meu corpo. Nossa Senhora, que sensação boa! Meu Deus do céu, como eu senti falta da praia, como eu senti falta da praia.

Fiquei uma semana em Teresina. Teresina foi a primeira cidade deste ano, na minha viagem, que não tinha praia, porque fica no interior do Piauí. Teresina não está no litoral, né? E, assim, foi só uma semana, mas, nossa, é sério... Todos os finais de semana deste ano eu fui à praia. Quase todos. Desde que saí de viagem, fui à praia todas as semanas, sem falta.

E é uma paz que não existe em nenhum outro lugar. Uma paz que você sente olhando a imensidão de tudo, o mar infinito. Até o fim, aquela água que fica na areia reflete todas as luzes da cidade. É bonito demais, viu? Acho que é essa paz que não se encontra em nada mais, em nenhum outro lugar.

É algo essencial pra começar bem a semana, pra começar com o pé direito. Meu Deus do céu, estou muito em paz, sabe? Paz pura. Aquela sensação de estar no presente máximo. Não existe nada no futuro, nada no passado. Só existe esse momento, aqui, vendo as ondas que vêm e voltam, vêm e voltam... E eu fico olhando, olhando... Dá pra ficar hipnotizado aqui por horas e horas.

Nossa, dá pra se perder demais! É uma maravilha, viu? Dá vontade de viver eternamente com essa sensação. E ainda dá pra enxergar tudo porque é a luz da lua. A luz da lua reflete na água... Nossa Senhora! Eu estou muito, muito grato por tudo. Muito obrigado pela vida. Muito obrigado por essa sensação que estou sentindo agora.

Eu amo a praia. Amo muito, profundamente.

São Luís - MA

O Peso do Vazio

Há murmúrios que sopram no silêncio,
um peso leve que ninguém vê.
Entre passos e cores, um eco distante,
um som que não cessa, mas nunca se entende.

O dia dança em telas de ouro,
e mesmo assim, há tons que faltam.
O brilho cega, o riso escapa,
como areia fugindo entre os dedos.

Encontros breves com o tudo e o nada,
em rotas sinuosas que traço no vento.
Invento risos, desenho histórias,
mas sempre há rachaduras no cimento.

Há um custo naquilo que não se nomeia,
um esforço em seguir o que não se alcança.
Na estrada há flores e pedras ocultas,
que perfumam e ferem em igual balança.

Se o horizonte é um véu que nunca se abre,
a jornada, talvez, seja a resposta.
Não é no destino que a alma repousa,
mas no mistério que o infinito gosta.

A Revolta do Previsto

O caminho sempre me pareceu óbvio. Todas as etapas da vida estavam alinhadas como dominós prontos para cair: fundamental, médio, técnico, universidade e pós-graduação. Segui o script: consegui um emprego, depois um aumento, e outro emprego que pagava mais. Carreira resolvida, vida amorosa nos trilhos? Tentei amar, fracassei e tentei de novo. E então, quais seriam os próximos passos? Casamento, filhos, netos, aposentadoria.

Mas, mesmo com uma casa, bens, uma família construída, algo estava faltando. Embora tudo fosse bom, eu usava um chapéu que bloqueava minha visão do céu. Será que celebrar o sucesso era tudo que restava? Estranhamente, parecia que a vida já tinha um roteiro escrito, e eu apenas precisava vivê-la. Mas valeria a pena, se tudo já estava pré-determinado e repetido bilhões de vezes?

Não sei se era genialidade demais entender todos os fios que conectavam as coisas, ou pessimismo demais para não ver a beleza nisso. Era uma situação amarrada e terrível; antes de eu nascer, tudo já estava definido.

Tudo parecia certo, quase bom, mas algo obscurecia meus olhos; minha visão não estava totalmente clara. Era como se faltasse um par de óculos. E mesmo ao usá-los, o mundo ao redor permanecia embaçado, nunca completamente nítido.

Eu daria à minha vida uma nota 7/10: acima da média, mas nada surpreendente. Será que algo inesperado iria me arrancar dessa rotina e me tornar um herói? Será que minha vida seria insignificante comparada às biografias que li?

Será que os sonhos da minha infância eram compartilhados por todas as crianças? Claro, essas fantasias raramente se concretizam. Todo esse excesso acaba descartado, considerado um desperdício inútil. Parece que as forças do caos se organizam e transformam-se em ordem, assegurando que tudo funcione conforme o planejado.

Se era para viver o mito de Sísifo, seria mais fácil desistir do alto de um oitavo andar? Sacudi minha alma com força. Era essa a maldita vida? Não era possível que eu tivesse nascido apenas para isso. 

Num impulso, soquei o vidro com a mão. Foi um gesto irracional. Olhando para a palma da minha mão, senti apenas uma ardência intensa. Que tipo de dor era essa que eu mesmo havia provocado, e por que parecia tão estranhamente satisfatória? Olhei pela janela e, apesar da dor, sorri. Aquela janela que nunca me deu a cor real das coisas. Então, pulei e saí correndo sem rumo, sem sentido, sem planos. Corri como quem busca chegar em primeiro lugar, mas sem um destino definido.

Talvez eu devesse ter feito isso desde sempre, vivendo algo completamente diferente de tudo o que se esperava.

Salvador - BA - 2024

Entre Girassóis e Dores

Nunca nos atemos ao que foi,
sem um olhar acusador,
nem consideramos o tempo jogado ao vento,
pois cada momento teve seu valor.

Em cada instante,
fomos o que o tempo nos permitiu ser.
Cada deslize,
uma lição aprendida,
na vida cotidiana,
entre risos na mesa do trabalho,
no pontinho de ônibus.

Nosso vínculo era feito Girassol e Dama da Dor,
uma disparidade ardente tal qual fissão nuclear.

Construímos mais que lares simples,
nos banhos compartilhados,
em cada momento.
Mesmo ao nos despedirmos,
nosso enredo continua imerso.

Saudades não, só celebrações.

Salvador - BA - 2024

Normal

Em homenagem ao meu caro amigo Leo.

Aqui descrevo um dia normal de uma pessoa totalmente normal.

Começou com uma leve ondulação na visão, uma dança sutil de luz e sombra. A tontura veio como um sussurro, trazendo consigo pontos pretos que flutuavam como estrelas efêmeras. Na periferia do olhar, pontos coloridos piscavam, e a sensação de um corpo dentro de outro tomou conta. Tudo parecia mais leve, como se eu vestisse uma roupa de astronauta, flutuando no vácuo.

As ondas de cor e luz tornaram-se mais intensas, bolhas de sabão refletindo o arco-íris ao meu redor. Cada movimento gerava vibrações, e uma pessoa em movimento desenhava ondas coloridas no ar, engraçadas e encantadoras. Pensamentos incompletos desvaneciam em risos, palavras se transformavam em piadas sem sentido. O mundo flutuava e se distorcia, paredes encolhiam e cresciam.

Meu corpo parecia distante, como se minha alma estivesse voando. Sentia o ambiente de uma maneira nova, diferente, como se tocasse dimensões invisíveis. Os sons vinham de lugares inesperados, confusos, como ecos de um sonho. Tudo o que eu pensava se materializava na minha frente, borrado e distorcido, a imaginação se tornando realidade.

Meu amigo andava pelo corredor, e quanto mais longe ele ia, menor se tornava, até caber na palma da minha mão, desaparecendo em um quadro na parede, como se entrasse em uma tela mágica. Olhei para o chão e vi através das paredes, até o estacionamento, os carros como brinquedos e as vigas de ferro como linhas delicadas.

A revelação veio como um raio de luz, clareando a mente: a humanidade sabia tão pouco sobre o universo. A ciência, uma vela solitária na vastidão da ignorância. E eu, agora, via além, abria minha mente para a infinidade do desconhecido. Tudo ao redor era deslumbrante e encantador.

Assistir filmes era mergulhar nas emoções dos personagens, sentir o que eles sentiam. Eu estava lá, atrás das câmeras, no momento exato da gravação. Ao assistir "The Godfather", senti-me no estúdio, vendo a mágica acontecer em tempo real, como se a história se desenrolasse diante dos meus olhos, viva e pulsante.

Covil - Poços de Caldas - MG - 2018

Zero se tornou Um

"Acorde, Zero!"

Da janela do meu apartamento, consigo ver mil outras janelas de outros prédios, exatamente como a minha. Mas não consigo ver daqui o sol.

O trânsito hoje está parado, logo pela manhã. Algum operário deve ter perecido na contramão; seu corpo agora é um obstáculo inútil, atrapalhando o tráfego.

O retrato na escrivaninha é uma relíquia de um passado esquecido: meus pais e eu, uma criança sorridente. A saudade rasga meu peito, um lembrete cruel da família e dos amigos de infância que se desvaneceram.

Meu celular vibra: "Iniciando... nenhuma mensagem de trezentos e cinquenta e dois amigos."

O armário, caindo aos pedaços, guarda memórias sufocadas pela poeira. Os livros são monumentos de uma era esquecida: Orwell, Lewis Carroll e Nietzsche. Testemunhas silenciosas de um espírito que já não vive.

Levanto-me, exaurido. Cada movimento é um fardo.
No banheiro, cumpro a rotina mínima.
Vivo a muito tempo nessa rotina monotona.

De certa forma eu acabei me acostumando

No metrô, sou apenas mais um fantasma a caminho do purgatório.
O olhar do meu chefe é uma lâmina afiada: "Você chegou atrasado hoje, Zero. Na próxima, é rua!"

Meu colega sussurra: "Acho que mês que vem consigo sair desse buraco."

Meu cubículo azul, sinto que passo a maior parte do meu dia aqui. O tempo se arrasta. "Espero que você vire a noite para cobrir esses atrasos."

Acordo no pesadelo de sempre, transformado em um inseto gigante. O quarto é uma prisão, meu corpo uma carcaça inútil. Aos olhos dos outros, sou um monstro, um ser desprezível. Morro, finalmente, de solidão e desespero.

As pessoas me chamam de louco, mas sei que somos apenas marionetes de um conto cruel. Mais um dia no trabalho: "Atrasado novamente? Você já foi melhor."

Mensagem automática: "Parabéns, Zero. Você completou uma década na companhia." Penso comigo: "Dez anos? Eu era jovem, a vida prometia tanto." Correndo atrás de um sol inatingível, cada dia mais cansado, preso em um ciclo eterno de destruição e vazio, num labirinto sem saída.

Estou fora. Nunca mais voltarei.

Eu preciso escapar da realidade, cair diretamente na toca do coelho. Sinto uma necessidade desesperada de me expressar, de me conectar. As artes são a última esperança de redenção. Na fusão de todas elas, encontro a arte final dos contos.

Vou escrever um conto, um grito de desespero para este blog. Contarei minha história, minha miséria. Será chamado "Zero se tornou Um".

Finalmente, Zero se tornou Um.

Celebração do Inusitado

Contemplei o horizonte e avancei, sem orientação.
Disseram: "Espero que encontre sua missão".
Mas meu desejo é o vazio; sou chama que arde.
Sou apenas consequência do determinismo que me guarde.

Neste cosmos infinito, não persigo meu ser.
Evito os enigmas, deixo-os para esquecer.
O caos dança ao redor, sem sentido, sem medida.
Em cada passo incerto, uma nova avenida.

Desprovido de anseios danço sob o céu que nada traz.
Busco o inusitado, o singular, um sopro de paz.
A absurdidade do mundo me arranca um riso feroz.
Diante de quem questiona meu caminho, minha voz.

Sofrimento e injustiça clamam por razões.
Mas minha existência é um passeio, sem aflições.
Venho para celebrar, dançar, sem direções.
Na leveza do momento, encontro minhas canções.

Guiado pelo instinto, cada dia é um presente.
O desconhecido é um tesouro, reluzente e envolvente.
Nunca sei onde estou, nem busco descobrir.
Rejeito a caça aos significados, só quero sentir.

Desafiar as leis da física é um desejo em vão.
Cada célula e telômero já sabem seu fim, sua condição.
As escolhas são ecos de tempos já passados.
Impossíveis de mudar, por destino já traçados.

Dizem que um propósito a dor ameniza.
E que o livre arbítrio injustiças suaviza.
Mas não creio em contos que a alma tranquiliza.
A outros confortam, mas em mim não trazem brisa.

Abraço o caos, celebro cada incoerência.
Minha paz reside na ausência de previsão.
No desinteresse por qualquer definição.
É nesse vazio que encontro minha essência, minha redenção.

Elevo a dúvida, celebro o improviso.
Cada dia é uma chance de um novo paraíso.
Minha felicidade é tão vasta que transborda em ridículo.
Um delírio tão pleno que me torna, assim, tão lírico.

Salvador - BA - 2024

Sangue, Obstáculos e Ícones: Tratados Intelectuais do Cotidiano

Neste ambiente esterilizado, qual hospital em véspera de epidemia,
Repousam as colunas verdejantes, cárceres que delimitam o infinito.
A urgência se impõe, o relógio, tirano, não concede tréguas.

É mister produzir, desviar-se é heresia.
A sala de conferências, tumba gelada,
Ecoa os clamores abafados, o espectro do desprezo,
Injúrias se entrelaçam com humilhações,
O tapeçar de preconceitos e intolerâncias é vasto.

Naquele instante, com mãos trêmulas, digitava,
O absurdo se instala como norma.
Imersos na ignorância, alimentamo-nos dela,
A história infiltra nossos diálogos vãos.

Desço, para saciar um apetite já moribundo, e me firo,
Retorno ao labor, a dor é mera espectadora.
Sangue goteja, trivial, sua única ofensa é manchar o piso.

Não se deixe seduzir pela luz desperdiçada.
Cada dia é um abismo,
Lemas se tornam mantras, imagens e ícones,
São estandartes de batalhas esquecidas em nossos corações.

Marchamos rumo à autoaniquilação mental,
Rindo das tragédias, do teatro do absurdo.
Há um prazer oculto na adrenalina do caos,
O sofrimento, agora patrimônio comum.

As janelas, santuários de luz, dançam as cortinas ao sopro do vento.
Na sala de reuniões, lágrimas e desolação compartilhadas.
Questiona-se: deve o labor ser tal tormento?
Adormecer sobre o frio azulejo do banheiro.

Éramos rebeldes, destemidos, sagazes,
Nas bases da filosofia, densa névoa sem razão,
Cada fronteira se desmancha, verdadeiros são os laços,
Quando temos por perto amigos de verdade.

Janta

Na noite do jantar, tranquila e serena, Os amigos do meu pai e os meus, convidados de honra. Um encontro de gerações, de pessoas queridas, Compartilhando histórias e momentos de vida.

Lá na roça, cheia de terra e história,
Na chuva, no escuro, no meio do mato.
Chegar lá é quase uma vitória.
Pegamos um cooler, bebida à vontade.

O lugar é simples, diz o mestre anfitrião, Uma pequena casa, com trincos na parede. Escorada em um armazém de café, pronta para a ocasião, Aceita qualquer hóspede, sem fazer alarde.

Um teto simples, um abrigo mínimo, Telhado furado, telhas trincadas, Madeira antiga, íntima do tempo. Goteira em todo canto, chove dentro e fora, Cadeiras duras de metal, já sem assento, desconfortáveis agora, Feito de coisas esquecidas, de coisas largadas.

Mesa de mármore lascada, sofá dilacerado.
No quarto escuro, morcegos em voo desordenado.
Rádio daqueles grandes, com entrada para CD e antena,
Chegamos, a luz amarela, aquelas lâmpadas serenas.

Sentimos humildade, abraço e verdade.
Deixamos na porta a vaidade e a aparência.
Estávamos lá para conversar, com sinceridade.
Sobre qualquer coisa, sem medo, com essência.
Deixamos de lado o fardo do dia a dia, de ter que agradar. De fazer o que se espera, sem nunca hesitar.
Conversamos a noite toda, em igualdade.
Colaborando, contando histórias, em sincera amizade.
Compartilhando ali momentos tão reais,
Conheci os amigos do meu pai, e ele conheceu os meus.
Essa é a janta que ouvi falar a vida toda e nunca fui? Pois é, Pegamos prato e colher, improvisado, sem nada mais. Depois de beber, cachaça e cerveja, O corpo pediu, e veio o momento: a panela de língua de boi. O melhor caldo, nosso alimento, Sabor que trazia conforto e sustento.

Naquele instante, todos eram reis.
Segurando o prato, sentado no chão, na cadeira sem conforto, sem leis. Deliciando-se, com fome de quem nunca tinha comido. Ali, a paz nos tocou os ombros, Ali, fomos livres, verdadeiramente felizes. Na simplicidade do instante, Como se o tempo parasse. Descobrimos a essência, Do que é ser, sem disfarces.